Subtileza do “vírus” do narcisismo e o impacto devastador nas vítimas

Subtileza do “vírus” do narcisismo e o impacto devastador nas vítimas
Publicado em: 19/11/2024

A complexidade e os perigos do narcisismo em relacionamentos íntimos e familiares, com destaque para o impacto profundo e devastador que esse tipo de abuso pode ter sobre a vítima, especialmente em contextos de abuso sexual e violência doméstica nos palcos dos tribunais em Portugal.

1. Como se manifesta o “vírus” do narcisismo

O narcisismo é descrito como um comportamento socialmente manipulador e sedutor, mascarado por uma persona charmosa, prestativa e amigável. Isso cria uma falsa imagem de bondade que desarma as pessoas ao redor e torna difícil para a vítima conseguir apoio, pois a sociedade vê o narcisista como uma “boa pessoa”. Assim, ele é capaz de minar a credibilidade da vítima, isolando-a ao manipular as percepções externas a seu favor. Essa habilidade de manipulação é a base do abuso, criando uma rede de desconfiança ao redor da vítima e dificultando que ela se sinta ouvida e apoiada.

Na intimidade, entretanto, a máscara cai, revelando um comportamento controlador, agressivo e altamente manipulador. O narcisista age de maneira tirânica em espaços privados, onde é menos provável ser observado. Esse padrão pode incluir uma agressão que varia de humilhações sutis a explosões de raiva ou punições psicológicas, visando minar a autoestima e o equilíbrio emocional da vítima.

2. Como o “vírus” do narcisismo entra no sistema

O narcisismo “infecta” sistemas vulneráveis, onde as vítimas, geralmente com traumas prévios ou carentes emocionalmente, tornam-se suscetíveis a essa forma de abuso. O narcisista inicia o ciclo com a técnica do love bombing, criando um cenário de idealização, onde oferece atenção, carinho e tudo o que a vítima deseja num parceiro, aparentando ser alguém perfeito. A partir desse ponto, a vítima se sente envolvida e cativada, acreditando ter encontrado alguém que a compreende profundamente.

Em seguida, começa a fase de desvalorização, onde surgem os primeiros sinais de micro-abuso. Esses atos podem ser pequenos, mas progressivamente aumentam em intensidade, minando a confiança da vítima e testando até onde ela está disposta a suportar. Com o tempo, a vítima, já enfraquecida, deixa de se proteger e se torna cada vez mais vulnerável.

Quando o narcisista chega ao descarte, é comum a vítima buscar ajuda externa, denunciar abusos, ou tentar romper o ciclo de violência. No entanto, nessa fase o narcisista geralmente adota uma postura agressiva, usando todas as ferramentas de manipulação à sua disposição para descreditar a vítima e manter o controle.

3. O uso dos filhos como ferramenta de manipulação

Em casos de separação ou disputa de guarda, o narcisista frequentemente usa os filhos para manipular a ex-parceira, desconsiderando completamente o bem-estar emocional das crianças.

Essa situação é amplificada pelo sistema judicial, que, por vezes, pode ser incapaz de perceber a dinâmica abusiva e as consequências psicológicas a longo prazo para os filhos envolvidos. O narcisista utiliza as crianças para provocar a ex-parceira, sendo capaz de estratégias cruéis para atingir seus objetivos de vingança e poder. Esse comportamento tem consequências devastadoras no desenvolvimento das crianças, que são expostas a uma situação emocionalmente confusa e prejudicial. Elas ficam divididas entre o desejo de receber o amor de ambos os pais e a percepção de que algo está errado, mas sem maturidade emocional para entender as dinâmicas manipulativas.

4. O impacto psicológico na vítima

O abuso narcisista é um processo de degradação psicológica lenta, mas constante, que deixa a vítima emocionalmente esgotada, debilitada e isolada. A manipulação frequente (como o gaslighting, a humilhação e a desvalorização) causa um desgaste psicológico tão intenso que leva a vítima ao limite do esgotamento mental e físico. A situação pode evoluir para uma perturbação de stress pós-traumático complexo, onde a vítima se sente incapacitada para lidar com o quotidiano, inclusive no trabalho, o que agrava sua situação financeira e social.

Quando a vítima busca justiça, muitas vezes enfrenta outro obstáculo: o sistema judicial. O manipulador é frequentemente visto como calmo e razoável, enquanto a vítima, devido ao trauma e stress vivido, pode aparentar instabilidade emocional (perfeitamente compreensível). A falta de formação especializada de muitos profissionais que representam o tribunal e o uso de testes psicológicos facilmente manipuláveis pelos narcisistas agravam ainda mais a situação, resultando em decisões judiciais que podem favorecer o abusador. Ou seja, colocam em risco a integridade psicológica e física da criança e desta forma, não indo ao encontro do seu Superior Interesse da Criança.

5. A destruição da vida da criança e o impacto psicológico

No que diz respeito às crianças, o impacto da convivência com um progenitor narcisista é devastador. Esse tipo de abuso afeta o desenvolvimento psicológico e emocional da criança, criando confusão, ansiedade e, em muitos casos, traumas para toda a vida. Deixa às vulneráveis a relações abusivas aquando adultos e sintomatologia auto-destrutiva, como por exemplo todo o tipo de dependências. A criança, exposta a uma dinâmica de duplo vínculo (como os que ocorrem em casos de abuso sexual infantil e pedofilia), vivência momentos de afeto e brincadeira intercalados com abusos emocionais, o que é profundamente confuso. É normal (psicologicamente falando) que a criança “goste do abusador” e até mostre carinho e o queira proteger. Cabe nos a nós adultos normalizados por limites, incluo os psicólogos entender profundamente o dilema psicológico intersectado na criança pelo abusador. Pois a criança também gosta de chocolate e poderia só comer isso, se não houver um adulto consciente a pôr um limite. E um nutricionista competente ensinando-lhe em colaboração com o adulto, formas saudáveis de comer.

Esse comportamento não só prejudica a confiança e a autoestima da criança, mas também porque deixar marcas psicológicas profundas que afetarão toda a sua vida. A criança precisa de um ambiente seguro para se desenvolver emocionalmente, mas o progenitor narcisista interfere nesse processo, o que muitas vezes destrói sua capacidade de criar vínculos saudáveis.

Reflexão Final: A falta de entendimento do sistema e o interesse superior da criança

A situação se agrava pela falta de compreensão do impacto psicológico que esse tipo de abuso subtil e sem marcas (maior parte das vezes) tem sobre a criança e pela ausência de preparo dos profissionais para lidar com situações tão complexas. Como a justiça percepciona de forma subjectiva e ténue “ o interesse superior da criança”, ignorando a realidade dos efeitos devastadores de um progenitor narcisista com um historial de comportamentos criminos, maior parte deles arquivados (por falta de provas). Essa falha compromete o desenvolvimento psicológico saudável da criança, sujeitando-a a um ambiente destrutivo e prejudicando um desenvolvimento psico-emocional estável no futuro.

A falta de ferramentas psicologicas para realizar um diagnostico fidedigno e psiquiatras e psicólogos capacitados a entrevistar estas personalidades é actualmente fraca em Portugal o que deixa as crianças vulneráveis para convívios que se deviam de evitar. Porque em caso de dúvida a criança deve ser sempre protegida.

Esta é uma batalha que precisa ser enfrentada não apenas pelas vítimas, mas também pelo sistema judicial e os profissionais que lidam com esses casos, para que vidas possam ser protegidas e restauradas.

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