“In Dubio Para a Criança” – A criança no centro do processo, sempre!

“In Dubio Para a Criança” – A criança no centro do processo, sempre!
Publicado em: 12/08/2025

Fui recentemente convidada a dar uma entrevista. Um convite que aceitei com sentido de responsabilidade e almejando ver mudanças urgentes.

Partilhei a minha visão e experiência sobre um tema que continua, infelizmente, a ser silenciado: os impactos devastadores do narcisismo e da violência vicária nas vítimas — sobretudo nas crianças.

Sou psicóloga clínica e psicoterapeuta, há 23 anos, mas foi apenas nos últimos 7 anos que comecei a estudar Perturbação da Personalidade Narcisista (PPN) e o impacto traumático nas vítimas.

Livros que me influenciaram foi Amor Zero, de Iñaki Piñuel, As Mulheres que Amam Psicopatas, de Sandra Brown, Violência Vicária, de Sonia Vaccaro e todo o trabalho exemplar da ilustre Juiza do tribunal supremo Dra. Clara Sottomayor. A partir daí, comecei a escrever nas redes sociais, sobre  narcisismo, violência psicológica e abuso institucional.

O impacto foi imediato. Recebi centenas de mensagens — maioritariamente de mulheres, muitas delas mães — que se reviam nos conteúdos que partilhava. Tinham algo em comum: estavam presas em processos litigiosos nos tribunais de família com progenitores, maioritariamente com perfis narcisistas, que usavam os filhos para continuar a exercer violência.

O padrão repetia-se de forma quase assustadora: relações marcadas por violência doméstica e suspeitas de abuso sexual intrafamiliar.

Neste contexto, dar voz a estas vítimas tornou-se não apenas um compromisso profissional, mas um dever civil. Porque quem vê a violência e o abuso, tem a obrigação de denunciar e falar livremente.

A reportagem estará para breve, e espero que traga luz, reflexão e, acima de tudo, mudança. Porque no meio de tudo isto, nunca podemos esquecer: a criança deve estar sempre no centro do processo.

Alguns pontos mencionados:

  • O Narcisista: Duas Caras, Um Único Objetivo

Na esfera pública, são encantadores. Sabem seduzir, manipular, aparentar estabilidade. Mas em privado, a história é outra: são controladores, mentirosos, emocionalmente abusivos. Rejeitam responsabilidades, distorcem a realidade e fazem da inversão de papéis a sua maior arma.

Quero dizê-lo com toda a clareza: um narcisista não ama os filhos — usa-os, como prolongamento do seu ego, como instrumentos de chantagem emocional, como armas para atingir a mãe.

Este comportamento é descrito como violência vicária, um conceito trabalhado por Sonia Vaccaro. Trata-se de um prolongamento da violência: quando o agressor já não consegue magoar diretamente a mulher, utiliza os filhos para o fazer. É uma das formas mais cruéis e sofisticadas de punição.

  • Nos Tribunais: Onde o Abusador Veste a Máscara da Vítima

Infelizmente, também nos tribunais a encenação continua. A maioria destes homens segue a estratégia conhecida como DARVO (Deny, Attack, Reverse Victim and Offender): negam os factos, atacam a credibilidade da vítima e invertem os papéis.

“Ela está a mentir.” “Ela é instável.” “Ela está a manipular os filhos.”

E depois? Contratam advogados que replicam exatamente o mesmo padrão. São apresentados requerimentos distorcidos, descontextualizados, muitas vezes marcados por litigância de má fé. A mãe é acusada de alienação parental — mesmo que essa acusação não tenha qualquer fundamento legal ou científico.

A verdade é esta: a chamada “Síndrome de Alienação Parental” (SAP) não existe. Não é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, nem aparece nos manuais diagnósticos internacionais (DSM-5 ou CID-11). Em Portugal, não existe qualquer lei sobre alienação parental.

Aliás, a própria Juíza do Supremo Tribunal de Justiça, Clara Sottomayor, já se pronunciou de forma inequívoca: a SAP é uma fraude que põe em risco a proteção das crianças.

  • A Criança: O Elo Mais Ignorado

E no meio de tudo isto, quem menos é escutado… é quem mais precisa de proteção: a criança.

Mães protetoras são descredibilizadas e acusadas de alienadoras. O testemunho da criança é muitas vezes desvalorizado ou descartado. Tudo em nome da “manutenção do vínculo familiar”. Mas que vínculo é esse, se for com o agressor?

Quando há suspeita de violência doméstica ou abuso sexual, não pode — nem deve — haver mediação parental. O agressor não pode ser tratado como um pai comum. Porque não o é.

  • Na Dúvida, Em Favor de Quem?

A justiça portuguesa rege-se pelo princípio in dubio pro reo — na dúvida, a favor do arguido. Mas em casos de violência doméstica e abuso sexual de menores, esse princípio pode tornar-se perigoso, sobretudo em crimes que não deixam marcas e que a palavra da criança não é tida em conta.

Na dúvida, devia ser a favor da criança.

Ao manter contacto com o progenitor suspeito:

  • Crianças continuam a ser abusadas
  • Mães são re-vitimizadas
  • O ciclo de violência repete-se
  • A saúde mental de todos se deteriora

Só em 2025, já foram assassinadas seis mulheres e um homem em contexto de violência doméstica. Acredito profundamente que muitas destas mortes poderiam ter sido evitadas, se as medidas de proteção fossem mais eficazes.

Três mudanças fundamentais:

  1. Medidas de Proteção Imediata É essencial o afastamento imediato do agressor ou abusador sempre que houver denúncia ou suspeita de abuso sexual ou violência doméstica. A proteção da criança,  deve ser prioritária, independentemente do andamento judicial.
  2. Perícias Psicológicas Rigorosas e Específicas A maioria das perícias realizadas atualmente apresenta baixa qualidade técnica, não contemplando adequadamente perturbações do espectro narcisista (narcisismo, antissocial e psicopatia). Frequentemente, são subjetivas e baseadas em testes de autorrelato, facilmente manipuláveis por perfis com estas características. É urgente que a OPP (Ordem dos Psicólogos Portugueses) assuma a responsabilidade de informar os tribunais sobre estas limitações, bem como de recomendar os instrumentos de avaliação e modelos de entrevista mais adequados e cientificamente validados para estes contextos.
  3. Acompanhamento Psicológico para Todas as Crianças em Contexto de Abuso Sexual e Violência Doméstica Todas as crianças expostas a abuso sexual ou violência doméstica devem ter garantido o direito a acompanhamento psicológico, sem a exigência de consentimento de ambos os progenitores. Esta exigência apenas contribui para a revitimização e favorece o agressor, em prejuízo do bem-estar e proteção da criança.

Exemplos reais que chegam até mim, de crimes de incesto que não deixam marcas:

  • Um pai “limpa” o ânus da filha com um cotonete e pede que ela o faça nele. A menina tem 3 anos. Não há marcas. Ela não tem voz em tribunal.
  • Um brinquedo é usado para esfregar a vulva de uma criança de 4 anos. Não deixa marcas e os convívios retomaram.
  • Um menino de 3 anos vê pornografia com o pai antes de dormir, sendo depois estimulado até à masturbação. Na escola a criança é castigada pelo seu comportamento.
  • Beijos na vulva e obrigar uma menina de 5 anos a lamber o pénis. Mãe acusada de alienação parental, porque a criança não conseguiu falar, mas tem sintomas físicos que coincidem com abuso sexual. São ignorados por magistrados e procuradores.

Não há marcas. Mas há trauma. E há crime.

As Consequências Reais do Abuso Sexual Infantil

Mesmo sem sinais visíveis de violência física, o abuso sexual infantil deixa marcas profundas:

  • PTSD complexo
  • Depressão severa
  • Dissociação
  • Autolesão e tentativas de suicídio
  • Repetição de relações abusivas
  • Distorção do autoconceito e da sexualidade
  • Dificuldade extrema em confiar
  • Repetição do ciclo abusivo.

Estes traumas não se veem a olho nu. Mas são reais. E destroem vidas.

Todos Sabem. E Ninguém Age?

O sistema judicial português continua refém de uma mentalidade retrógrada, machista, patriarcal e misógina. ATENÇÃO: Machismo não é uma questão de género — é uma questão de mentalidade. E não há nada pior do que uma mulher machista, que ignora o sofrimento de outra mulher. Machismo é o reflexo do nível de consciência em que muitos vivem e não evoluir. A família tradicional ainda é vista como um valor absoluto, mesmo que isso signifique expor crianças ao perigo.

Mães que protegem os filhos são tratadas como alienadoras. Agressores manipuladores são protegidos.

É por isso que falo. Que escrevo. Que insisto.

Porque é hora de mudar este paradigma. É hora de proteger quem não tem voz nem força para se proteger. É hora de escutar, de valorizar e de devolver a dignidade às vitimas E, acima de tudo, é hora de agir com coração e respeito pelas crianças. É HORA DE EVOLUÍMOS COMO HUMANIDADE.