Como identificar o comportamento do Psicopata Integrado (Narcisista) nos tribunais?

Daniela Cosme – Psicologa Clínica e Psicoterapeuta
Para entender como funciona esse tipo de perfil, é fundamental analisar o modo como o
“vírus” do narcisismo age. Ele se insere nas dinâmicas relacionais utilizando uma estratégia
de manipulação chamada love bombing. Num relacionamento narcisista, é possível identificar
três fases bem definidas: idealização, desvalorização e descarte.
Fase 1: Idealização
Nesta etapa inicial, o narcisista recorre a técnicas de manipulação como love bombing e
future faking, cujo objetivo é criar um vínculo de confiança. A vítima é induzida a acreditar
que encontrou a sua “alma gémea”, o que desencadeia uma descarga de dopamina no cérebro,
fortalecendo a ligação emocional com o abusador. Estas estratégias são meticulosamente
desenhadas para fomentar uma dependência emocional. Posteriormente, durante a fase de
desvalorização, a vítima tende a sentir vergonha e assumir a culpa que, na realidade, pertence
ao narcisista. Confusa e incapaz de compreender a transformação do “príncipe encantado”
num “sapo terrível”, acaba por acreditar que a responsabilidade é sua.
Fase 2: Desvalorização
Quando o narcisista percebe que a vítima já se encontra emocionalmente capturada, inicia-se
a fase de desvalorização. Nesta etapa, emergem os micro-abusos e o recurso a estratégias
como gaslighting, silêncio punitivo e reforço intermitente, entre outras. (pode consultar as 17
estratégias de manipulação narcisista que identifiquei e descrevi no meu instagram) Estas
técnicas de manipulação criam um duplo vínculo, caracterizado por uma relação oscilante
entre abuso emocional e esparsos gestos de atenção ou afeto. Este padrão constitui uma forma
de abuso psicológico que, embora não deixe marcas físicas, gera profundas cicatrizes
emocionais.
Fase 3: Descarte
Quando a vítima se encontra emocionalmente fragilizada e já não é útil como fonte de
“suprimento” para o narcisista, esta é descartada. Contudo, o narcisista pode regressarutilizando a estratégia de manipulação denominada hoovering: uma tentativa de verificar se a
vítima continua vulnerável e sob o seu controlo. Assim, o ciclo de abuso pode perpetuar-se ao
longo de anos.
Caso a vítima decida romper a relação e procurar ajuda, o narcisista frequentemente recorre à
estratégia dos “macacos voadores”, manipulando terceiros para denegrir a imagem da vítima
e implementar campanhas de difamação. É essencial compreender que, ao lidar com um
narcisista, o foco deve estar no comportamento e não nas palavras, uma vez que estes
indivíduos são mestres em discursos manipulativos e demagógicos.
O Narcisismo: Uma Patologia da Maldade
É fundamental reconhecer que o narcisismo é, na essência, uma patologia da maldade.
Diferentemente das vítimas, os narcisistas não experienciam vergonha, culpa, tristeza,
empatia ou remorso. A incapacidade de amar, inclusive os próprios filhos, é uma
característica inerente à sua condição, pois estes são frequentemente utilizados como
instrumentos para alcançar objetivos ou satisfazer necessidades.
Os narcisistas não toleram estabilidade emocional. Para eles, o amor está inexoravelmente
ligado ao conflito e à destruição, um reflexo inequívoco da sua patologia. Acreditar que
possam ser bons pais é uma ideia ingénua e profundamente errónea.
A fórmula comportamental dos narcisistas é clara: cometem atos prejudiciais, recusam-se a
assumir responsabilidades e projetam a culpa nos outros, frequentemente nas parceiras,
assumindo-se como vítimas. Os filhos tornam-se ferramentas para infligir sofrimento às
mães e alcançar os seus objetivos, frequentemente para limpar a imagem associada a
violência doméstica ou abuso sexual dos próprios filhos.
Narcisismo e os Tribunais
Nos casos de disputas judiciais envolvendo filhos, emergem padrões preocupantes:
• Alienação parental: O narcisista abandona ciclicamente o lar e desresponsabiliza-se,
mas reaparece exigindo direitos parentais. Quando contrariado, recorre a ameaças
legais ou, em muitos casos, à subtração do menor. Quando denunciado, manipula a
situação, alegando falsidade na denúncia e reclamando os seus direitos parentais.
• Campanhas de difamação: O narcisista mobiliza os “macacos voadores” para isolar
a vítima socialmente, afastando-a da família e dos amigos. O objetivo é deixá-la
desprovida de suporte emocional, mais vulnerável e incapaz de denunciar os abusos.
Abrindo processos de difamação, passando a vítima ser arguida em vez do verdadeiro
criminoso.• Processos judiciais manipulativos: Contratam advogados agressivos, conhecidos
como “pit bulls”, que utilizam estratégias similares às do próprio narcisista.
Nos tribunais, o cenário é frequentemente desolador. Casos de violência psicológica ou física
são frequentemente desacreditados por alegações de alienação parental e difamação,
prejudicando a credibilidade da vítima, que muitas vezes, sofre de stress pós-traumático
complexo.
Estratégias para a Proteção de Vítimas e Crianças
Para garantir a proteção das vítimas, com especial atenção às crianças, torna-se
imprescindível a implementação de estratégias específicas:
• Medidas de proteção imediata: Sempre que haja denúncia de violência doméstica ou
abuso sexual de menores, devem ser adotadas medidas de proteção eficazes. Em
qualquer situação de suspeita, é essencial garantir a segurança das vítimas, prevenindo
a convivência com os agressores. Em caso de dúvida, a prioridade deve ser proteger a
criança.
• Colaboração interdisciplinar: Parcerias entre advogados e psicólogos
especializados, preferencialmente Psicólogos Forenses, são fundamentais. Pareceres
técnicos qualificados são indispensáveis para fundamentar os requerimentos legais e
assegurar a salvaguarda das vítimas.
• Rigor nos procedimentos periciais: As avaliações periciais devem ser realizadas
com a máxima competência e precisão, de forma a evitar que menores sejam
obrigados a conviver com progenitores agressivos, garantindo assim a sua integridade
física e emocional.
• Formação específica para magistrados: Juízes e outros profissionais do sistema
judicial devem ser capacitados para compreender os impactos psicológicos associados
ao narcisismo, reconhecer os padrões comportamentais característicos e avaliar as
consequências traumáticas do convívio com personalidades perturbadoras.
• Combate a preconceitos culturais: É urgente eliminar a crença machista e misógina
de que, mesmo sendo agressivo ou abusador, um progenitor deve manter contacto
com a criança. Esta visão, ao desvalorizar as denúncias da mãe, contribui para a sua
difamação e compromete a proteção dos menores.
Enquanto não reconhecermos que estamos perante uma condição caracterizada pela ausência
de escrúpulos, ética e moralidade, continuaremos a expor crianças a abusos emocionais,
comprometendo o seu bem-estar e desenvolvimento. Os narcisistas, frequentementemascarados de “bons pais”, ocupam posições de destaque e utilizam o seu carisma enganador
para disfarçar a sua verdadeira natureza.
Por isso, é essencial mantermos uma vigilância ativa, evitando sucumbir a manipulações, seja
por ingenuidade ou por conivência. Trata-se de um perfil patológico que, apesar de
extraordinariamente destrutivo, revela-se também altamente astuto, exigindo uma resposta
informada e eficaz.
REFERÊNCIAS:
BROWN, S. Mulheres que amam psicopatas. Como identificar homens com distúrbio da
personalidade. São Paulo: Editora Cultrix, [2029].
LEVINE, P. Waking the Tiger: Healing Trauma. North Atlantic Books, [1997].
LOWEN, A. El narcisismo. La enfermidade de nuestro tiempo. Paidós Psicología Hoy, [4a
Edição 2012].
PIÑUEL, I. Amor Zero. Como sobreviver a uma relação com um psicopata emocional. La
esfera de los libros, [2017].
PIÑUEL, I. Familia Zero. Cómo sobrevivir a los psicopátas en la familia. La esfera de los
libros, [3o edición. 2020].
SANDERSON, C. Abuso sexual em crianças. São Paulo: M.Books do Brasil Editora Ltda.,
[2005].
SOTTOMAYOR, M. C. A fraude da síndrome de alienação parental e a protecção das
crianças vítimas de abuso sexual. Texto correspondente à comunicação proferida em
conferencia internacional, [3 de novembro 2011].